O ministério cristão e a sua multiplicidade (1Co 12.5)
Quando pensamos na multiplicidade do ministério cristão, precisamos ressaltar dois aspectos importantes: 1) o corpo de Cristo é um só (unidade); 2) o corpo de Cristo abriga internamente uma multiplicidade de membros e funções (diversidade). Assim, a igreja de Cristo convive permanentemente na tensão entre manter a unidade sem prejudicar a diversidade e vice-versa. Então falar da multiplicidade de membros é falar da multiplicidade de ministérios, funções e papéis dentro da igreja e, portanto, da diversidade de dons outorgados pelo Espírito Santo para a edificação mútua do corpo de Cristo (Rm 12.4,5).
Neste estudo, procuraremos expor aquilo que fundamenta a multiplicidade do ministério cristão, ou seja, a diversidade dos dons espirituais e sua relevância para a vida da igreja hoje.
O DOM DO ESPÍRITO
A fim de entendermos a questão dos dons espirituais a partir da perspectiva bíblica, precisaremos fazer uma distinção necessária entre o "dom do Espírito" e "dons do Espírito”:
Nos Evangelhos encontraremos a referência ao fato de que, antes do Pentecostes, o Espírito Santo, embora estivesse atuando desde o Antigo Testamento, ainda não havia sido dado de forma definitiva ao povo de Deus (Jo 7.37-39). No próprio Evangelho de João encontramos afirmações mais completas quanto ao futuro recebimento do Espírito Santo por parte dos crentes. Em João 14.16, Jesus anuncia sua partida dentro em breve, afirmando que não deixaria os discípulos órfãos e que o Consolador, o Espírito que habitava com os discípulos, estaria com eles para sempre. Este recebimento do Espírito foi concretizado na vida da igreja a partir da experiência do Pentecostes (At 2). Nesta passagem, Pedro se refere ao recebimento do Espírito como o "dom do Espírito" (At 2.38).Este mesmo "dom”, segundo Pedro, era uma promessa não só para aquelas pessoas, mas para todos os que o Senhor ainda haveria de chamar (v.39). Portanto, há uma estreita ligação entre o dom do Espírito e os dons espirituais. Quando falamos a respeito dos dons espirituais, estamos nos referindo a um dos muitos aspectos da obra do Espírito Santo: o convencimento do pecador antes da conversão (Jo16.7-11), a regeneração ou novo nascimento (Jo3.3-5; Tt 3.5), o selo do Espírito como garantia eterna (Ef 1.13; 4.30), o batismo no Espírito Santo (lCo 12.13), a habitação do Espírito (Rm 8.9) e o enchimento ou plenitude do Espírito(Ef 5.18). Assim, a chegada do Espírito de Deus à nossa vida é o "dom do Espírito”: Este "dom" do Espírito é que possibilita o recebimento dos "dons” para a obra do ministério.
OS DONS DO ESPÍRITO APONTAM PARA A MULTIPLICIDADE DE
MINISTÉRIOS
Há várias palavras gregas no NT usadas como referência aos dons espirituais. O uso mais comum é a tradução do grego charismata, que tem o sentido de "mostrar favor, dar gratuitamente" e que está relacionado ao substantivo charis (graça). O NT apresenta quatro listas de dons: Romanos 12.3-8; 1Coríntios 12; Efésios 4.7-12 e 1Pedro
4.10,11. Formulando, portanto, uma definição geral, podemos dizer que:
"Dons espirituais são capacitações específicas, unicamente possíveis pela graça de Deus e concedidas soberanamente pelo Espírito Santo aos cristãos, para a edificação e crescimento do corpo de Cristo”: Na verdade, é o apóstolo Paulo quem mais discorre sobre a questão dos dons espirituais e, numa maneira mais extensa e específica, na sua
primeira carta à igreja de Corinto.
A DISTRIBUIÇÃO E A FUNÇÃO DOS DONS ESPIRITUAIS NA IGREJA
1. O Deus é soberano em seu modo de agir.
Não cabe a nós determinar a Deus que dons devemos ou queremos receber. Precisamos entender que os dons espirituais são distribuídos segundo a vontade soberana do Espírito Santo, e não conforme a busca, o querer ou a oração do crente: "Mas, um só e mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente" (1 Co 12.11).
2. Precisamos entender que nenhum crente tem todos os dons e que nenhum dom está presente em todos os crentes
(l Co 12.29,30). Por isso, não é bíblica, por exemplo, a idéia de que todos os crentes devem falar em línguas. O dom é de Deus, então cabe a Ele não a nós...
3. Além disso, nem todos os dons mencionados no NT possuíam aspectos miraculosos ou sobrenaturais.
Vários dons parecem, à primeira vista, muito mais aptidões naturais do que necessariamente carismas do Espírito. Por exemplo: ensino, exortação, liderança, serviço, administração, contribuição, hospitalidade, misericórdia. Com isso, não devemos negar que sejam carismas, mas precisamos contradizer a idéia generalizada de que dom espiritual é necessariamente o conjunto: língua, profecia, milagres e curas.
4. Nenhum dom espiritual é dado para causar divisão na igreja
(I Co 14.33). Se algum crente, por causa de um dom que diz possuir, está dividindo a sua igreja, então ele não está a serviço de Cristo, mas do Diabo, porque as inimizades, contendas, divisões, dissensões e partidos dentro da igreja são obras da carne e não frutos do Espírito (Gl 5.19·21). Paulo afirma que quem faz isso não herdará o reino de Deus.
5. Os dons são distribuídos por Deus de acordo com os seus planos
para cada época e lugar.
Os dons de apóstolo e profeta, por exemplo, não mais se repetem hoje porque pertencem ao período inicial do cristianismo. Foram dons concedidos pelo Espírito enquanto ainda estavam sendo lançados os fundamentos do cristianismo (Ef 2.20; Lc 6.12-16; Ap 21.14). Ninguém hoje tem a autorização divina para se autointitular "apóstolo".
6. Devemos destacar que os dons foram dados "visando a um fim proveitoso" (1 Co 12.7), ou, em outras traduções, "para o que for útil".
Este fim proveitoso não deve ser entendido como algo útil para o indivíduo, mas como útil para o funcionamento e a edificação do corpo de Cristo (Rm 12.3-5; 1Co 12.12,14,18,27,28; Ef 4.12). Em Corinto, os dons espirituais em vez de edificarem a igreja, estavam destruindo união entre os irmãos. Estas são algumas instruções de Paulo quanto ao exercício do dom de línguas na igreja em Corinto, que resolveriam muitos dos problemas que, frequentemente, estão atrelados às manifestações carismáticas nos nossos dias. Tais instruções também deveriam ser seguidas hoje por todos aqueles que desejam ser coerentes com aquilo que o Novo Testamento preceitua.
CONCLUSÃO
É necessário afirmar que todos os dons espirituais só se entendem como carismas (presentes da graça de Deus) a partir da perspectiva do amor cristão, que é o maior de todos os dons, sendo também o único atemporal (1 Co 13). Cada um dos dons é uma forma variada de expressar este amor de Deus. Como afirma Russell Champlin: “Não devemos ter necessidade de escolher entre o amor e os dons, porque Deus quis que eles andassem juntos”.
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